Homem ou Super-Homem? A relação entre atletas, fama e neuroses.
Conforme ressaltou o pai da psicanálise, a neurose,
juntamente, com a psicose e a perversão compõem os mecanismos básicos da nossa
subjetividade, e conduzem os indivíduos em suas relações intrapsíquicas
(conteúdos internos) e interpsíquicas (relação com os outros). Na análise de Freud,
cada pessoa se estrutura psiquicamente sobre uma destas três formas de
organização, embora sejam comuns as variações e as sobreposições entre elas, o
que denota a profundidade e a complexidade da psique humana. Certamente a
neurose é uma das formas de organização psíquica que mais incide sobre os
homens, além disso, foi a partir do seu estudo que a psicanálise freudiana se
desenvolveu, em fins do século XIX e início do século XX. De maneira didática,
a neurose pode ser definida como o conjunto de sinais patológicos resultantes
do conflito entre o “desejo ou libido”, projetado pelo ID, e a “defesa”,
erguida pelo EGO. Desse modo, o
neurótico vive, mentalmente, uma luta infindável. De um lado do front psíquico, estaria a procura eterna
para satisfazer a pulsão libidinal, de outro, a impossibilidade desta
realização, imposta pelos mecanismos de proteção e defesa do EGO.
Em maior ou menor grau o neurótico sofre com esse dilema (ID
versus EGO), que não se apresenta de forma consciente, o que o faz experimentar
desequilíbrios emocionais. Neste sentido, o alcoolismo, o uso de drogas e a
automedicação podem demonstrar alterações de comportamento, e prenunciar algum
tipo de neurose. Contudo, os neuróticos, com exceção dos casos mais graves,
apresentam uma estrutura psíquica mais evoluída, com o EGO fortalecido, quando
comparado aos Psicóticos. Enquanto os neuróticos possuem uma distorção da realidade parcial, uma desintegração do Self
superficial e os mecanismos de defesa bem elaborados, os psicóticos se
caracterizam por uma total distorção da realidade, uma profunda desintegração
do Self e o emprego dos mais primitivos mecanismos de defesa.
Freud, no intuito de sistematizar o estudo, propôs uma
divisão das neuroses em dois aspectos: as neuroses atuais (neurastenia e
neurose de angústia) e as psiconeuroses, ou neuroses de transferência,
subdividida em fobia, obsessão e histeria. Nesse caso, as transferências, ou
melhor, a psiconeuroses, são aquelas passíveis à análise freudiana.
Naquilo que se refere à fobia, Freud acrescentou que essa
modalidade de neurose estaria associada ao contato ou à lembrança de um objeto
específico, o que ocasionava uma reação fóbica (medo) nos pacientes,
completamente desproporcional e muitas vezes inexplicável. Ao que tudo indica a
gênese da fobia remontava às experiências da fase fálica ou edipiana.
Quanto à neurose-compulsiva, também conhecida como
“obsessão-compulsão”, ao lado da histeria, é uma das neuroses mais comuns nas
clínicas psicanalíticas, e possui variadas formas de impacto na vida dos
pacientes. Desse modo, a obsessão pode compor traços subjetivos, vistos como
positivos, pois incluem aspectos de disciplina, repetição, organização, dentre
outros. Por outro lado, esta neurose pode paralisar a vida do indivíduo, preso
numa repetição de rituais sem fim. Esta fase de natureza animista tem como
ponto de fixação principal na fase anal.
E, por último, temos a histeria. Encontrada na gênese da
psicanalise, também conhecida como neurose histérica é uma forma de organização
psíquica muito próxima daquilo que Freud entendia como “normalidade
convencional”. Igualmente aos outros tipos de neurose, os histéricos também
variam em níveis. No início, vista como uma “doença” que acometia somente as
mulheres, daí a própria derivação da palavra histeria, que em grego histeros, significa útero. A partir dos
estudos de Charcot, e os desenvolvimentos de Freud, a histeria deixou de ser
uma exclusividade das mulheres e passou a integrar um quadro clínico bem
definido. Este tipo de neurose pode ainda se manifestar sob a forma de
conversão (somática) e dissociativa (sensações de despersonalização, ataques
epiléticos...). Tem na fase fálica o seu principal ponto de fixação.
Esses três tipos de neuroses (fobia, obsessão e histeria) são
as que tentaremos associar, ainda que como exercício de reflexão teórico, aos
casos patológicos que acometem alguns atletas famosos. Como já foi mencionada,
a fama, se apresenta como um dos elementos desencadeadores de tais patologias.
Ou seja, a “voz pública” e a “glória” aumentam exponencialmente a pressão sobre
os atletas de elite. Assim, quanto maior for o seu sucesso, maior será a
exigência dos patrocinadores e da mídia em geral. Quanto maior o reconhecimento
e a fama, maior será a cobrança por alto desempenho. Esse argumento pode ser sustentado
pela noção de causa e consequência.
A causa refere-se ao processo de supervalorização egóica dos
atletas, que ocorre após um feito inédito e/ou extraordinário no seu campo de
atuação. O atleta que até então se diluía na coletividade de seus pares, passa
por um processo de individuação e de destacamento. Superlativos como infalível,
eterno e herói são incorporados à identidade do atleta. Outdoors e anúncios
publicitários impactam a todos com imagens incorruptíveis daqueles super-homens
recém-nascidos.
A consequência, que resulta desse processo de mitificação dos
atletas, pode ser dividida em dois momentos: O primeiro, é aquele em que o
atleta se sente estimulado, valorizado, como se estivesse revivendo uma saga
histórica, a retomada de uma idade de ouro. Nesse caso, as consequências são
positivas e, de certa forma, é recebida como os frutos de um trabalho bem
executado; O segundo momento, traz em si uma face perversa, pois a fama ao
desnaturalizar os erros e as falhas humanas. O resultado é que a fama acaba por
desumanizar o atleta e esse passa a ser visto, e se vê, a partir de uma ilusão
coletiva.
Por fim, ao que parece, quando observamos os casos de atletas
de alto nível e suas manifestações neuróticas, relatados por eles próprios,
como o medo, a insegurança, e os rituais paralisantes e as dificuldades de
lidar com a realidade. Estamos diante de quadros neuróticos que encontram
correspondências com o “segundo momento” das consequências da fama. Exatamente,
o momento de um narcisismo extremado, aquele que devasta a identidade humana e
no seu lugar impõe uma identidade ilusória e externa ao indivíduo. Portanto, a
fama deixa de ser um “coroa de louros”, digna de um vencedor, para se tornar
uma “coroa de espinhos”, um castigo de um EGO inflado, que executa sobre o
atleta a punição neurótica pela perda da humanidade.