sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Homem ou Super-Homem? A relação entre atletas, fama e neuroses.



Homem ou Super-Homem? A relação entre atletas, fama e neuroses.





          O objetivo deste texto é sugerir uma reflexão acerca das possíveis relações existentes entre atletas famosos e as patologias neuróticas. Os casos do nadador Michel Phelps, maior medalhista olímpico de todos os tempos, que em entrevista revelou ao público o seus dramas psicológicos, assim como os de Naomi Osaka, a tenista, grande sensação do time japonês e, sobretudo, da super campeã norte-americana de ginástica, Simone Biles, têm trazido grande visibilidade para o tema da saúde mental dos atletas. Os exemplos são inúmeros e atingem as mais diversas modalidades, países e culturas, o que desde já elimina qualquer tentativa de padronização dos casos. Embora, seja possível identificar, ao menos a priori, um fator comum a todos eles, a fama. A notoriedade midiática, os milhões de seguidores nas redes sociais e uma vida consagrada financeiramente é, sem dúvida, um aspecto recorrente. No entanto, antes de prosseguir com os desdobramentos das prováveis relações entre os atletas de famosos e a manifestação de neuroses, é preciso retomar algumas leituras de Sigmund Freud, nas quais, definições precisas acerca do tema foram, cuidadosamente, apresentadas.

Conforme ressaltou o pai da psicanálise, a neurose, juntamente, com a psicose e a perversão compõem os mecanismos básicos da nossa subjetividade, e conduzem os indivíduos em suas relações intrapsíquicas (conteúdos internos) e interpsíquicas (relação com os outros). Na análise de Freud, cada pessoa se estrutura psiquicamente sobre uma destas três formas de organização, embora sejam comuns as variações e as sobreposições entre elas, o que denota a profundidade e a complexidade da psique humana. Certamente a neurose é uma das formas de organização psíquica que mais incide sobre os homens, além disso, foi a partir do seu estudo que a psicanálise freudiana se desenvolveu, em fins do século XIX e início do século XX. De maneira didática, a neurose pode ser definida como o conjunto de sinais patológicos resultantes do conflito entre o “desejo ou libido”, projetado pelo ID, e a “defesa”, erguida pelo EGO.  Desse modo, o neurótico vive, mentalmente, uma luta infindável. De um lado do front psíquico, estaria a procura eterna para satisfazer a pulsão libidinal, de outro, a impossibilidade desta realização, imposta pelos mecanismos de proteção e defesa do EGO.

Em maior ou menor grau o neurótico sofre com esse dilema (ID versus EGO), que não se apresenta de forma consciente, o que o faz experimentar desequilíbrios emocionais. Neste sentido, o alcoolismo, o uso de drogas e a automedicação podem demonstrar alterações de comportamento, e prenunciar algum tipo de neurose. Contudo, os neuróticos, com exceção dos casos mais graves, apresentam uma estrutura psíquica mais evoluída, com o EGO fortalecido, quando comparado aos Psicóticos. Enquanto os neuróticos possuem uma distorção da realidade parcial, uma desintegração do Self superficial e os mecanismos de defesa bem elaborados, os psicóticos se caracterizam por uma total distorção da realidade, uma profunda desintegração do Self e o emprego dos mais primitivos mecanismos de defesa.  

Freud, no intuito de sistematizar o estudo, propôs uma divisão das neuroses em dois aspectos: as neuroses atuais (neurastenia e neurose de angústia) e as psiconeuroses, ou neuroses de transferência, subdividida em fobia, obsessão e histeria. Nesse caso, as transferências, ou melhor, a psiconeuroses, são aquelas passíveis à análise freudiana.

Naquilo que se refere à fobia, Freud acrescentou que essa modalidade de neurose estaria associada ao contato ou à lembrança de um objeto específico, o que ocasionava uma reação fóbica (medo) nos pacientes, completamente desproporcional e muitas vezes inexplicável. Ao que tudo indica a gênese da fobia remontava às experiências da fase fálica ou edipiana.

Quanto à neurose-compulsiva, também conhecida como “obsessão-compulsão”, ao lado da histeria, é uma das neuroses mais comuns nas clínicas psicanalíticas, e possui variadas formas de impacto na vida dos pacientes. Desse modo, a obsessão pode compor traços subjetivos, vistos como positivos, pois incluem aspectos de disciplina, repetição, organização, dentre outros. Por outro lado, esta neurose pode paralisar a vida do indivíduo, preso numa repetição de rituais sem fim. Esta fase de natureza animista tem como ponto de fixação principal na fase anal.

E, por último, temos a histeria. Encontrada na gênese da psicanalise, também conhecida como neurose histérica é uma forma de organização psíquica muito próxima daquilo que Freud entendia como “normalidade convencional”. Igualmente aos outros tipos de neurose, os histéricos também variam em níveis. No início, vista como uma “doença” que acometia somente as mulheres, daí a própria derivação da palavra histeria, que em grego histeros, significa útero. A partir dos estudos de Charcot, e os desenvolvimentos de Freud, a histeria deixou de ser uma exclusividade das mulheres e passou a integrar um quadro clínico bem definido. Este tipo de neurose pode ainda se manifestar sob a forma de conversão (somática) e dissociativa (sensações de despersonalização, ataques epiléticos...). Tem na fase fálica o seu principal ponto de fixação.

Esses três tipos de neuroses (fobia, obsessão e histeria) são as que tentaremos associar, ainda que como exercício de reflexão teórico, aos casos patológicos que acometem alguns atletas famosos. Como já foi mencionada, a fama, se apresenta como um dos elementos desencadeadores de tais patologias. Ou seja, a “voz pública” e a “glória” aumentam exponencialmente a pressão sobre os atletas de elite. Assim, quanto maior for o seu sucesso, maior será a exigência dos patrocinadores e da mídia em geral. Quanto maior o reconhecimento e a fama, maior será a cobrança por alto desempenho. Esse argumento pode ser sustentado pela noção de causa e consequência.

A causa refere-se ao processo de supervalorização egóica dos atletas, que ocorre após um feito inédito e/ou extraordinário no seu campo de atuação. O atleta que até então se diluía na coletividade de seus pares, passa por um processo de individuação e de destacamento. Superlativos como infalível, eterno e herói são incorporados à identidade do atleta. Outdoors e anúncios publicitários impactam a todos com imagens incorruptíveis daqueles super-homens recém-nascidos.

A consequência, que resulta desse processo de mitificação dos atletas, pode ser dividida em dois momentos: O primeiro, é aquele em que o atleta se sente estimulado, valorizado, como se estivesse revivendo uma saga histórica, a retomada de uma idade de ouro. Nesse caso, as consequências são positivas e, de certa forma, é recebida como os frutos de um trabalho bem executado; O segundo momento, traz em si uma face perversa, pois a fama ao desnaturalizar os erros e as falhas humanas. O resultado é que a fama acaba por desumanizar o atleta e esse passa a ser visto, e se vê, a partir de uma ilusão coletiva.        

Por fim, ao que parece, quando observamos os casos de atletas de alto nível e suas manifestações neuróticas, relatados por eles próprios, como o medo, a insegurança, e os rituais paralisantes e as dificuldades de lidar com a realidade. Estamos diante de quadros neuróticos que encontram correspondências com o “segundo momento” das consequências da fama. Exatamente, o momento de um narcisismo extremado, aquele que devasta a identidade humana e no seu lugar impõe uma identidade ilusória e externa ao indivíduo. Portanto, a fama deixa de ser um “coroa de louros”, digna de um vencedor, para se tornar uma “coroa de espinhos”, um castigo de um EGO inflado, que executa sobre o atleta a punição neurótica pela perda da humanidade.  

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